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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

AMÉRICO VASCONCELLOS

 

Nasceu no Rio de Janeiro, RJ, no dia 6 de fevereiro de 1906. Filho de Américo do Amaral Vasconcellos e Leonor da Silva Vasconcelos.
Fez Curso equiparado ao Científico.
Oficial de Farmácia (licenciado) e Calígrafo.

 

 

ANUÁRIO DE POETAS DO BRASIL.  2º. VOLUME.    Organização de Aparício Fernandes.  Capa  de Ney Damasceno.  Rio de Janeiro: Folha Carioca Editora Ltda., 1977.  496 p. 

Ex. bibl. Antonio Miranda.

 

 

 

MÃE

Levam-te flores. De flores no entanto
era o amargor que tinhas condensado,
é o triste aroma que hoje evolado
da tua essência se transforma em canto.

Hinos se flores tecem um negro manto,
meu pai morria, drama começado,
morre-te a filha, e eu vi extravasado
banhar-te a face um copioso pranto.

Lutar com a sorte agora era preciso,
sondas o abismo, é dia de juízo,
e tu caminhas para os tribunais.

Lágrimas, dores, mas com teu sorriso
ainda esperaste o golpe decisivo,
estavas cega, não lutavas mais...



CEIA DAS MÃES

 

Findava o outono. Pálidas de frio
caíam as folhas em suave aceno,
lacrimejava frígido sereno,
três mães ceavam num porão sombrio.

Trêmula voz dizia num ciclo:
Eu tinha um filho, esbelto, era moreno.
Não terminou. Seu lenço era pequeno
para conter as lágrimas a fio...

Disse a segunda: Eu conheci a fome!
Num cadafalso... E a voz quase lhe some,
meu filho deu-me o beijo de ternura.

É bem maior a dor que me consome
disse a terceira: Eis minha dor sem nome:
tenho três filhos, nenhum me procura!...

 

 

 

A CEIA DOS PAIS

 

Era um inverno. Um denso nevoeiro
amortalhava aquela noite fria,
com três mulheres numa falsa orgia
três pais ceavam à luz de um candeeiro.

Com voz pausada, um ébrio costumeiro
falou da filha. Há muito que não via;
lembrava apenas a tarde sombria
em que a entregara à freiras de mosteiro.

E a loura Eva pensa nos instantes
em que viveram como dois amantes
e lhe pergunta o nome num cicio...

 

Era o seu pai. E as lágrimas constantes
foram rolando claras, rutilantes
como a um colar que as rompesse o fio...

 

 

 

PRECE PAGÃ

 

Se vejo ao longe um trigal florido
à brisa solto a ondular faceiro,
se ouço o farfalho à noite no coqueiro
falar do amor de um lírio fenecido;

 

Enfim em tudo, quer triste ou garrido,
na chama, sombra, treva, nevoeiro,
em tudo vibra o meu amor primeiro
de tranças louras e de olhar dorido.

Se vou à feira, à praia, à Freguesia,
vejo Rosinha na doce poesia,
na taberna, no circo, e na capela...

Oro descrente a prece mais sombria,
mas, subsiste a fé no Deus que eu cria
com a saudade em holocausto a ela!...

 

 

 

O RETRATO DE TEREZINHA

 

Mulher apenas. Mas algo de santa
em seu venusto rosto transparece,
vendo-a na Igreja unir as mãos em prece
eu a confundi com a Virgem sacrossanta.

Tento pintar a imagem que me encanta;
no entanto, tinta alguma se parece
com a cor singular que resplandece,
luz da inocência quando o olhar levanta.

Tento a poesia e é claro meu fracasso,
mas ponho as mãos sobre o Evangelho e faço
o Juramento do que eu vi um dia.

Eu vi um arcanjo. Juro pela cruz
que o vi beijar-lhe os pés em plena luz,
julgando que fosse a Virgem Maria!...

 

 

 

O RETRATO DE LÚCIA

 

Foi ao luar. Dois frades num outeiro
admiravam um trigal florido,
ora em nuances de ouro esmaecido
ao sol brincando a ondular faceiro.

Trêmula voz de um frade ex-engenheiro
falou da noiva que o tinha esquecido
e a descreveu com tanto e tal sentido
que surpreendeu-se a o ouvir do companheiro:

Eu a conheci, irmão. Foi meu modelo,
chama-se Lúcia e para convencê-lo
mostrou a imagem da Virgem em aquarela.

Abre o Evangelho num gesto de apelo
às escrituras, mas com extremo zelo
mostrou foi um cacho de cabelos dela.

 

 

 

A PREDESTINADA

Somente agora após bilhões de anos
tenho afinal Rosinha nos meus braços,
eu a conheci quando éramos sargaços
na imensidão dos negros oceanos.

Fomos moluscos. E em vulcões arcanos
eu a distinguia, com meus olhos baços,
a rastejar tecíamos os laços
que nos unia o amor patriarcano.

De evolução em evolução chegamos
à simiesca forma e guardamos
recordações das milenárias eras.

Na forma humana rimos e choramos,
minto que a amo mas nos odiamos,
porque esquecemos o instinto das feras!

 

 

 

EM BUSCA DO SONHO                                               

 

Conte, conte, uma história,
uma história bem comprida,
conte uma história vivida,
lá nas terras da fazenda,
eu quero dormir ouvindo
o gemido da moenda.

 

Conte Rosinha, uma lenda,
uma lenda muito leve
como a asa da cigarra
ou como flocos de neve
caindo sobre os pinheiros.

Eu quero dormir sorrindo
mas quero sonhar primeiro.

Conte, conte uma história,
uma história do Oriente.

 

Escuta, meu bem, eu conto
o que disse Salomão
a moda de juramento:
Disse que vai pra justiça
por falta de pagamento

 

 

 

NA CURVA DA ENCRUZILHADA     

 

Eu fui ver o oceano
que diziam muito belo!
E achei-o grande demais
pois como o céu se confundia.
E me encantei com as gaivotas
que acenavam suavemente
as asas brancas esguias.
Vi também outras gaivotas
repousadas sobre as ondas
que se falavam ao cicios.
Com os olhos semicerrados,
eu estava inebriado
a respirar poesia.
Não me surpreenderia
se aparecessem arcanjos
atirando sobre as ondas
mancheias de lantejoulas,
mas, quando os olhos abri,
Rosinha estava ao meu lado
a me sorrir com ternura.
Respirei-lhe a inocência,
porém, achei-me perdido
na curva da Encruzilhada
daqueles seios vetustos.
Foi quando com travessuras
a brisa soprou mais forte
e eu via as rendas do norte
que enfeitavam a branca anágua
sobre o seu corpo moreno.
Depois olhei para o mar,
para aquele mundo d´água
que enorme me parecia
e achei o mar tão pequeno!...

 

 

*

 

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Página publicada em março de 2021


 

 

 
 
 
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